Segunda-feira, 31 de Agosto de 2009

Lousada nas corografias e nos dicionários geográficos.

 

No último decénio do séc. XVIII, o lugar do Torrão era “huma pobre aldeya.”8 Pelo menos era assim que o Bacharel Caetano José Lourenço Valle, Corregedor e Provedor da Comarca de Penafiel, via o lugar que mais tarde seria o futuro concelho9 de Lousada: “Pertendem juis de Fora, dizendo que tem boa Caza de Foral, he esta bem ordinária, citta no lugar do Torrão, couza bem insignificante, que não pasa de huma pobre aldeya, sem forma de rua”10 Esta opinião ficou a dever-se a uma hipotética anexação do concelho de Lousada por Penafiel, o que nunca chegou a acontecer.

 

 

 

 

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8 - SOEIRO, Teresa - História Local. Cadernos do Museu. Penafiel: Edição da Câmara Municipal de Penafiel. 2005, p. 151.Cf. AHP - Secção I-II, Cx. 101.

9 - “É uma reunião maior ou menor de freguezias, governadas por um administrador de concelho e representadas por uma municipalidade. Se o concelho é também julgado, tem um tribunal do cível, crime e orphanologico, com juiz ordinário, um sub - delegado do procurador régio, escrivães, officiaes de diligencias, carcereiro, etc. Até 1820, os concelhos tinham muitos privilégios, e inclusivamente o de nomearem os seus juízes, que eram confirmados pelo rei. Hoje esses juízes, assim como a câmara, são de eleição popular, e não precisam de confirmação regia.” LEAL, Augusto Soares d’ Azevedo Barbosa de Pinho - Portugal Antigo e Moderno-Diccionario Geographico, Estatístico, Chorographico, Heráldico, Archeologico, Histórico, Biographico e Etymologico de Todas as Cidades, Villas e Freguezias de Portugal e de Grande Numero de Aldeias. Lisboa: Livraria Editora Tavares Cardoso & Irmão. 1874,volume quarto, p. 492. Cf. BAPTISTA, João Maria - Chorographia Moderna do Reino de Portugal. Typographia da Academia Real Das Sciências, 1875, Vol. II. p. XXIII; COSTA, P. Antonio Carvalho da-Corografia Portugueza e Descripçam Topográfica do Famoso Reyno De Portugal, com as Noticias das Fundações das Cidades, Villas, & Lugares, que contem, varões illustres, Genealogias das Famílias Nobres, fundações de Conventos, Catálogos dos Bispos, antiguidades, maravilhas da natureza, edifícios, & outras curiosas observaçoens. Segunda Edição, Braga: Typographia de Domingos Gonçalves Gouveia, 1868, Tomo I, p. 337-338; é “uma expressão latina concillium e exprime a comunidade vicinal constituída em território de extensão muito variável, cujos moradores-os vizinhos do concelho-são dotados de maior ou menor autonomia administrativa.” In Dicionário de História de Portugal. (Dir.) Joel Serrão. Porto: Livraria Figueirinhas, [s/d], p. 137. Cf. Concelhos. In Dicionário Enciclopédico da História de Portugal. (Coord.) José Costa Pereira. [s/l]: Publicações Alfa, Lda, 1990, p. 146.

10 - AHP - Secção I-II, Cx. 101.

Volvidos quase cem anos José Augusto Vieira, na sua obra: “O Minho Pittoresco” refere-se a Lousada com outras cores, apesar de pouco mais nos informar: “A Louzada antiga, com o seu pelourinho em columna torcida, incompleto já, os antigos paços servindo de cadeia, a rua Direita, torta como a de todas as villas, (…).”11 E nada havia de notável na Vila de Lousada, a não ser a sua “pittoresca situação em um planalto da montanha, de ares puros e lavados, e solo feracissimo nos seus formosos arrabaldes. Para que bem se avalie do largo horisonte e fertilidade d’este solo uberrimo basta subir ao templo dos Afflictos, ou melhor ao adro da capella da Senhora do Loreto, que domina toda a povoação e arrabaldes, e demorar ahi alguns instantes, á sombra dos sobreiros ou oliveiras que a rodeiam. (…) Divide-se, por assim dizer, a villa em duas partes: a moderna e a antiga Louzada; aquella, ainda incaracterística, por estar actualmente em plena germinação, (…), com feição accentuada, das antigas villas portuguezas, de ruas estreitas e praças acanhadas, a lugubre cadeia sob os antigos paços do concelho, uma ou outra viella intransitável, as casas de pequenas janellas com poaes, onde floresce o craveiro encarnado.”12

 Em 1874, era vila, concelho e cabeça de comarca e contava com 2 700 fogos, sendo a comarca composta pelo julgado de Lousada e de Paços de Ferreira. Este último concelho possuía 3 100 fogos, o que perfazia, na comarca, 5 800 fogos. Uma parte do território de Lousada estava afecto ao Arcebispado de Braga, e o restante à Diocese do Porto. Pertencia ao distrito do Porto,13 e era constituído por vinte e sete freguesias.14

 

 

 

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11 - VIEIRA, José Augusto - O Minho Pitoresco. 2ª Edição, Valença: Edição Rotary de Valença, Tomo II. 1987, p. 353-354.

12 - VIEIRA, José Augusto - o. c., p. 353-354. Cf. MOURA, Augusto Soares-Lousada Antiga, Lousada: Edição de Autor, [s/d], vol. I, p. 386, História das Freguesias e Concelhos de Portugal. Matosinhos: Quidnovi, 2004, p.98. Lousada Terra Prendada, Lousada: Edição da Câmara Municipal de Lousada. 1996, p. 132.

13 - LEAL, Augusto Soares d’ Azevedo Barbosa de Pinho - o. c., p. 469.

14 - “ Alentém, Alvarenga, Aveleda, Barrosas (Santo Estêvão), Barrosas (Santa Eulália), Caíde de Rei, Cernadelo, Casais, Covas, Cristelos, Boim, Figueiras, Lodares, Lustosa, Macieira, Meinedo, Nespereira, Nevogilde, Nogueira, Ordem, Pias, Silvares, Sousela, Torno, Vilar do Torno, Lousada (Santa Margarida) e Lousada (S. Miguel).” Cf. LEAL, Augusto Soares d’ Azevedo Barbosa de Pinho -o. c., p. 469.                             

E em 1875, a freguesia de Silvares,15 era a cabeça deste concelho, concelho cuja superfície atingia 766,5 hectares, espaço onde se distribuíam 14 304 habitantes.16

No términos da centúria de oitocentos, Lousada mantinha imutável o número de freguesias, possuíndo Santa Margarida e S. Miguel de Silvares 117 homens e 162 mulheres e 161 homens e 227 mulheres, respectivamente. O concelho, no seu todo, contava com 6523 homens e 8418 mulheres, e pertencia ao distrito e bispado do Porto.17

No dealbar do século seguinte, era um concelho da província do Douro, sendo as suas freguesias sede: - Silvares e Cristelos.18 Silvares que, desde o século XVI tinha contado com a honra de receber pelourinho,19 e, pelo menos desde 1875 se apresentava como cabeça de concelho.20

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15 - LEAL, Augusto Soares d’ Azevedo Barbosa de Pinho - o. c., p. 469.

16- BAPTISTA, João Maria - o. c., p. 692 - 693.

17 - BETTENCOURT, E. A. - Diccionario Chorographico de Portugal e Ilhas Ajacentes contendo as Divisões Admnistrativa; Judicial, Ecclesiástica e Militar Ultimamente Decretadas e indicando todas as cidades, villas, freguezias …., 3ª Edição, Lisboa: Typographia Universal. 1885, p. 104.

18 - Exactamente as mesmas freguesias que Pinho Leal indica na sua obra: “Portugal Antigo e Moderno”. Os corografistas repetem-se e, muitas vezes, enganam-se. Eles mesmo o reconhecem: “Depois os proprios chorographistas vêem-se em papos de aranha para explicar onde é a sede do concelho, ora confundindo Silvares e Louzada, ora tomando as parochias de Santa Margarida e S. Miguel de Louzada, como núcleo central da povoação, quando, averiguado o caso, a villa não é realmente senão uma parte de SILVARES, parte chamada antigamente o Torrão, que se desenvolveu e ampliou, deixando na humilde posição primitiva a velha matriz parochial.” VIEIRA, José Augusto - o. c., p. 353 -  354.

19 - O pelourinho de Lousada é Monumento Nacional por Decreto de dezasseis de Junho de mil e novecentos e dez. “Tem três degraus quadrados em esquadria, todos eles com o bordo superior saliente e boleado. A coluna salomónica assenta numa base quadrada de pouca altura seguida de largo anel boleado. O fuste é expressivo no seu bem delineado enrolamento com os torcidos largos que se desenvolvem da esquerda para a direita. Vem a terminar num anel bem saliente e boleado. Por peça de coreamento possui um tabuleiro quadrangular tronco-piramidal invertido que a meio da sua altura tem molduramento a toda a volta em forma de pequenos cubos. Nos cantos da parte superior ainda se notam as calhas onde pousavam os braços de ferro com argola. A parte terminal do pelourinho já não existe (…). O pelourinho é do século XVI.” SOUSA, Júlio Rocha e - Pelourinhos do Distrito do Porto. Viseu: Edição do Autor. 2000, p. 26 e 48.

20 - PEREIRA, Esteves, RODRIGUES, Guilherme - Portugal, Diccionario Histórico, Chorographico, Biographico, Bibliographico, Heráldico, Numismático e Artístico. Lisboa: João Romano Torres & C.A Editores. vol. IV - L. M, 1909, p. 559. Cf. COSTA, Américo - Diccionario Chorografico de Portugal Continental e Insular, Hydrographico, Historico, Orográfico, Archeologico, Biographico, Heráldico e Etymologico. Villa do Conde: Typograhia Privativa do Diccionario Chorographico. vol. VII, 1940, p. 809 - 810. Guia de Portugal. Entre Douro e Minho - Douro Litoral IV. Fundação Calouste Gulbenkian: 1994, p. 624.

 

1. 1. Lousada pitoresca, política e social.

 

Nas corografias, nos dicionários geográficos, nos jornais, assim como nas monografias, o concelho de Lousada é analisado sobre aspectos pitorescos, políticos e sociais.

 

Prestes a terminar o penúltimo decénio do século XIX, a parte moderna da Vila de Lousada tinha a sua praça ajardinada, com os seus terrenos irregulares, onde se edificava o majestoso templo do Senhor dos Aflitos e o moderno edifício do tribunal. Num recanto da Praça e Largo do Senhor dos Aflitos, ficava a Hospedaria Lousadense.21 Em 1907, a vila assentava numa ampla colina, situada a trezentos metros de altitude, na parte superior do vale do rio Sousa, e era uma das mais “bellas localidades d’ entre Douro e Minho, pois possuía elegantíssimas praças, ruas largas e bem traçadas.”22 Parecia quase não ter história, pois apenas se guardava no arquivo da Câmara Municipal “a carta de foral com que a munificencia d’el Rei D. Manoel a dotou.23  Em 1920, era uma terra de 1385 habitantes, pacata e com o seu casario branco e disperso, e do alto do seu templo podiam abarcar e admirar-se os seus belos e rústicos arredores.24

Lousada era terra do “vinho verde e de latadas, do feijão e do milho, dos jugos trabalhados em madeira entalhada, semelhante às velhas arquibancadas conventuais com seus lindos boizinhos piscos de alta cornadura, de belo desenho em lira, e do carro de eixo móvel girando em admirável cântico vespeiral de louvor a Deus.”25 E como em todo o Entre Douro e Minho, também Lousada “era um alfobre de solares, desde a torre medieval, ao pequeno solar de granito pardo com o portão ameado e brasonado, e a escada exterior, a capela setecentista, aos múltiplos exemplares de arquitectura fidalga e barroca do séc. XVIII.26

Quando o século XIX está prestes a terminar, surge, neste concelho, um grupo de homens talentosos para a política. Lousada se fez comarca, e recortou o solo com estradas, edificou o templo do Senhor dos Aflitos e fundou escolas; pela política e para a política viveu, como se regeneradores e progressistas, ciosos uns dos outros, tivessem um só objectivo: o seu progresso.27

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21 - BOAVENTURA, São - Saudades! Saudades! Lousada e os seus homens de há 40 anos 1899-1939. Lousada: Edição da Câmara Municipal de Lousada. 1997, p. 8.

 

Em 1899, chegava a Lousada um novo administrador, de seu nome, São Boaventura28 - um Progressista entre Regeneradores. O concelho, à época, era dominado pelos ideais do partido Regenerador, de que tinha sido chefe o conde de Alentém;29  era presidente da Câmara, José Freire da Silva Neto,30 sendo vereadores, Cristóvão de Almeida Soares de Lencastre, da casa de Alentém, Adolfo Peixoto de Sousa Vilas-Boas, da Casa de Rio de Moinhos, Miguel António Moreira de Sá e Melo, da Casa de Sá, Bernardino Ferreira Coelho, Carlos Augusto da Silva Teles e José Luís da Silva,31 e como secretário  José Teixeira da Mota,32 da Casa do Tojeiro.

Numa visita de cortesia, quando ainda não tinha assumido o cargo de administrador, de um “dos recantos mais maravilhosos de todo o Minho tão lindo e tão pitoresco!”33 foi cumprimentar as mais distintas e ilustres figuras nobres e políticas do concelho. O primeiro foi o Visconde de Lousada34, seguindo-se-lhe o Visconde de Sousela, e ainda teve tempo de se deslocar à Casa da Tapada para conversar com Manuel Peixoto de Souza Freire: “ Não porque fosse politico, mas porque era o maior benemérito dessa nobre terra de Lousada e um homem de rara ilustração e incontestável aprumo moral.”35

 

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22 - SILVA, Augusto Ribeiro da - Villa de Louzada. Jornal de Louzada. Lousada (22 de Setembro de 1907), p. 4.

23 - Guia de Portugal. Entre Douro E Minho - Douro Litoral IV. - o. c., p. 622.

24 - D’ AURORA, Conde - Antologia da Terra Portuguesa. (Direcção Literária de Luís Forjaz Trigueiros e Prefácio do Conde D’ Aurora). Lisboa: Livraria Bertrand, [s/d], p. 17- 18.

25 - D’ AURORA, Conde - o. c., p. 18.

26 - D’ AURORA, Conde - o. c., p. 18.

27- VIEIRA, José Augusto - o. c., p.355.

28 - Augusto Eliseu de São Boaventura, natural de Lisboa, que em 1899 desempenhou o cargo de Administrador em Lousada, e em 1939 publicou as suas memórias: “Saudades! Saudades! ”. Cf. Lousada - Colectânea de Autores Locais. Lousada: Edição da Câmara Municipal de Lousaa, 2002, p. 51.

29 - António Barreto de Almeida, senhor da Casa de Alentém. BOAVENTURA, São - o. c., p.  8

30 - Da casa do Carvalho e líder local do Partido Regenerador. BOAVENTURA, São - o. c., p.  8

31 - Todos gente distinta e pertencente às melhores famílias do concelho (…).” BOAVENTURA, São - o. c., p.  8

32 - Director do Jornal de Lousada, que fundou em 1907. BOAVENTURA, São - o. c., p.  8.

33 - BOAVENTURA, São - o. c, p. 8.

34 - O prestigiado líder, local, do Partido Progressista. BOAVENTURA, São - o. c, p. 8.                                                           

Mas Lousada não se quedava só em mostrar as suas belezas pitorescas e o seu fino trato e talento para a política. Era também uma terra que gostava de folgar e de se divertir em bailes - de que já há notícia nos anos setenta, da centúria de oitocentos.37

Nos bailes, dessa época, dançava-se a contra-dança38 e a valsa39 e jogava-se o whist.40 As toilettes nem sempre eram novas, havendo quem distinguisse “ (…) os vestidos novos dos transformados, (…),41 conhecesse “o nome e o preço das fazendas, das rendas e das fitas, o número de metros que em tudo isso se tinha gasto, (…),42 chegando ao ponto de saber quem tinha “fantasiado e executado tanta elegancia, em que dia chegaram do Porto todos os enfeites, e até a gratificação que se tinha dado às recoveiras. (…).43 E apesar  das famílias viverem a grandes distâncias e do baile se realizar no inverno, nada obstava a que se apresentassem com(…) tão boas toilettes!”44

No final do século XIX um baile tinha importância, imponência, distinção, graça e delicadeza, caracterizado que era por um ambiente de bem-estar, de alegria e de sedução. Dançavam-se polcas,45 mazurcas46 e quadrilhas, e as senhoras eram rainhas, os homens seus vassalos, e tinham um lugar do maior destaque; mal assomavam, eram respeitosamente saudadas, levadas pelo braço até ao vestiário, e depois ao salão, onde se lhes fazia a corte.47

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35 - Os Viscondes de Lousada e de Sousela eram os proprietários das casas do Cáscere e do Ribeiro, respectivamente e Manuel Peixoto de Souza Freire era proprietário da Casa da Tapada. BOAVENTURA, São - o. c, p. 8.

36 -“Local de culto das letras e de debate de ideias e ideologias, ali se actualizavam as novidades e se congeminavam estratégias políticas e acções cívicas. Mas foram sobretudo as actividades recreativas [os bailes e as quermesses] que se tornaram memoráveis.” O Século XX em Lousada 100 Factos & Personalidades. Lousada: Edição da Câmara de Lousada. 1999, p. 56.

37 - X - Um Baille Em Louzada. Gazeta de Penafiel. Penafiel. (2 de Fevereiro de 1870), p. 1.

38 - Dança de quatro ou mais pares uns defronte dos outros. Também significa quadrilha. Quadrilha -Dança alegre e movimentada, que originalmete se dançava só com quatro pessoas. Dicionário Ilustrado da Língua Portuguesa - o. c., p. 225.

39 -Dança a três tempos. COSTA, J. Almeida, MELO, A. Sampaio - Dicionário da Língua Portuguesa. 5ª edição, Porto: Porto Editora, LDA, [s/d], p. 1556.

40 - Nome de um jogo de cartas inglês. COSTA, J. Almeida, MELO, A. Sampaio - o.c., p. 1556.

41 - X - Um Baille Em Louzada. Gazeta de Penafiel. Penafiel. (2 de Fevereiro de 1870), p. 1.

42 - X - Um Baille Em Louzada. Gazeta de Penafiel. Penafiel. (2 de Fevereiro de 1870), p. 1.

43 - X - Um Baille Em Louzada. Gazeta de Penafiel. Penafiel. (2 de Fevereiro de 1870), p. 1.

Os bailes eram um acontecimento eminentemente social e político, que acontecia nas casas nobres, na Assembleia Lousadense48 e, porventura, no edifício da câmara. Oportunidade excelente para os senhores da casa apresentarem os seus convidados, estabelecerem convivência, e, nas assembleias, os directores exercerem a correspondente missão.49

E enquanto um baile não se iniciava, os cavalheiros permaneciam junto das damas, prestando-lhe as suas homenagens; se dançavam, primeiro pediam licença à mãe ou pessoa respeitável que as acompanhava, e só depois de concedida a autorização, podiam tirar o seu par.

Quando o século vinte estava a um decénio de alvorecer sobre o esplendoroso templo do Senhor dos Aflitos, a nobre Lousada dançava, recitava, cantava, ao som do piano, e “As lindas, lindas? Lindíssimas! Senhoras da aristocracia lousadense formavam um precioso ramalhete das mais belas e das mais perfumadas flores e os rapazes eram finos, respeitosos, educados. 50 Eram os cavalheiros que serviam o chá, a ceia e o chocolate, e quando o sol já irrompia, e o baile terminava, acompanhavam as damas aos carros, que as levavam às suas casas.51

Naquela época, os bailes da Assembleia Lousadense “deram brado, (…)”52 perdurando no fio indelével da memória colectiva da fina e deslumbrante Lousada.

                                                                                                                                       

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44 - X - Um Baille Em Louzada. Gazeta de Penafiel. Penafiel. (2 de Fevereiro de 1870), p. 1.

45 - “Espécie de dança boémia, e respectiva música a dois tempos.”. COSTA, J. Almeida, MELO, A. Sampaio - o. c., p. 1119.

46 - “Dança a três tempos, originária da Polónia.” COSTA, J. Almeida, MELO, A. Sampaio - o. c., p. 925.

47 - BOAVENTURA, São - o. c. p. 20.

48 - A Assembleia Lousadense era o ponto de encontro, por excelência, para onde convergia toda a aristocracia lousadense, principalmente a partir dos finais do século XIX. Foi fundada em 1864. O Século XX em Lousada, p. 56.

49 - BOAVENTURA, São - o. c., p. 20.

50 - “Havia animação, palpitavam corações, surgia o amor. (…). Os bailes da Assembleia Lousadense eram assim. (…). Assisti ao baile oferecido no Quai de Orsay, em honra de D. Carlos I, que maravilha! (…) Mas os bailes de Lousada!”BOAVENTURA, São - o. c.,p. 20.                                                                                                                                                                                                               

51 - BOAVENTURA, São - o. c., p. 20.  

52 - BOAVENTURA, São - o. c., p. 20.

 SILVA, José Carlos - Tese de Mestrado: «Casa Nobre No Concelho de Lousada», FLUP, 2007

 



publicado por José Carlos Silva às 20:06 | link do post | comentar

O aparecimento do Cruzeiro remonta aos primeiros séculos do cristianismo. Procurou-se cristianizar todos os sítios e monumentos pagãos. A cruz era o símbolo usado para levar a cabo o processo de cristianização.

Com o imperador Constantino a cruz tornou-se no elemento simbólico dos cristãos.

A cruz “é sempre o símbolo do triunfo eterno sobre a morte”.[1]

Locais protegidos eram aqueles onde ela figurasse.

Para muitos a cruz é, de uma forma singela, enigma do cosmos, da vida e da morte, é o centro geométrico sobre o qual rodopia o compasso que traz as cosmografias, as sínteses elementares do tempo cósmico.[2]

A cruz é o símbolo mais universal presente em todas as culturas. “Já no tempo já no tempo dos egypcios, carthagineses, assyrios, persas, hebreus e gregos, a cruz era aplicada aos supplicios de malfeitores, (...).[3]

“A cruz tanto pode ser a esquemática representação de um ser com os braços abertos, em oração face à imensidade do universo, como emblema do raio solar ou o centro da orientação da rosa-dos-ventos”.[4]              

A cruz mede, dita e marca os lugares sagrados do verbo e da paz: igrejas, claustros, cemitérios, praças, caminhos, encruzilhadas, espaços sobe os quais aparece a verticalidade e a horizontalidade do mastro, da cruz, imagem adorada de um altar. É a concentração e a difusão, a convergência e a divergência e está relacionada com as quatro estações, com os tetramorfos, com os símbolos dos quatro evangelistas. A cruz é todo um universo de conjugações.

Segundo as lendas mais antigas o Calvário é o monte do Gólgota e a cruz de Cristo ergueu-se sobe o local onde está enterrada a caveira de Adão. Este espaço sagrado entende-se como sendo o centro do mundo, isto é, a união entre o céu e a terra, entre a vida, a morte e a vida eterna.

Para os cristãos da Idade Média a cruz representava a árvore da vida.

Os cruzados tinham como emblema a cruz, que surge no pomo das espadas dos cavaleiros.

A cruz tornou-se a base na arquitectura para traçar a planta das igrejas.

A figura geométrica das duas hastes tornou-se no sinal mais elementar e divulgado da piedade cristã, o mais conhecido do cristianismo, o mais usado nos actos do culto e, mesmo depois da morte, assinala a sepultura de todos aqueles que descansam em Cristo.

É a cruz das procissões. Deu o nome a novas terras, a províncias, a cidadãos, a instituições, a festas e a distinções honrosas. É usada na filatelia, na numismática, na heráldica, nas caravelas e uniu os povos europeus nas cruzadas. Encontra-se nos escudos reais, nos brasões, nos manuscritos, nas cartas, nos diplomas dos papas, imperadores e reis. A cruz inspirou obras no metal, na madeira e na pedra.[5]

Assim, os Cruzeiros surgem ligados à cruz dos cristãos. São símbolos da crença de um povo, marcos apontados à fé dos caminheiros e de todos aqueles que os veneram, marcando a fé dos que os erigiram como promessa.

São padrões “ por excelência da cristandade. Em terra cristã é símbolo de crença e elemento falante na paisagem humanizada. Vai do interior de povoações até aos píncaros do horizonte, por estradas amplas e caminhos rústicos. Reduzem-se à maior simplicidade de, ou a aprimoram feição artística, de granito rude, ao mármore fino, imagem de Cristo pintada ou esculpida, em alto relevo ou em pleno corpo; ou com figuras complementares”.[6]

Com a Contra Reforma valorizou-se ainda mais a existência do purgatório, assim como o uso de indulgências para redimir a pena por pecados cometidos. Isto originou a que fossem edificados muitos Cruzeiros para obterem em vida alguns méritos para o momento da morte.

Os Cruzeiros têm aquela rara e única beleza que a alma lhes dá e os olhos não conseguem vislumbrar e que só a fé faz ver.

Um Cruzeiro é uma “ grande cruz de pedra, erguida ao ar livre, no adro de igrejas, ou em encruzilhadas, praças, cemitérios, (...)”.[7]

Estão colocados nas bermas dos caminhos, nas praças, no alto dos montes, perto das povoações ou isoladas. São mais ou menos monumentais, com primores de pendor artístico uns, outros lisos.

Os Cruzeiros representam o espírito popular da devoção religiosa. Contudo, nem sempre esta causa foi determinante para a sua construção, pois muitos serviram para marcar acontecimentos de pendores variados e para proteger contra influências maléficas e feitiçarias os caminhos, as encruzilhadas e os largos das aldeias.

Por trás de cada Cruzeiro existe uma história relacionada com uma situação triste ou dramática, assim como uma profunda devoção.

Os Cruzeiros têm sempre uma relação directa com os mortos.

“ Nas encruzilhadas das incertezas, por onde um parte e por onde outro vem, está o cruzeiro de pedra, como testemunho das mais íntimas ânsias”[8]

No local onde se cometeu um pecado, onde se adorou um ídolo pagão, onde aconteceu uma tragédia, uma violação, um assalto, edifica-se um cruzeiro.

Marcam, pois, locais de acontecimentos individuais ou públicos, quer históricos, quer religiosos.

Muitos dos aspectos da vida interior dos cruzeiros aparecem plasmados nas suas inscrições.

Os Cruzeiros que se encontram nos adros das igrejas tinham e têm como fim santificar esses espaços. Para esta santificação são determinantes as procissões que percorrem o perímetro da igreja e dão a volta ao redor do Cruzeiro.[9]

 

Os que se localizam nas encruzilhadas tinham como função cristianizar um local entendido como maléfico pelo povo, pois aí realizavam-se rituais pagãos que remontavam ao culto dos Lares Viais.

Os Cruzeiros sagram locais, dominam e protegem os campos. Recordam epidemias, assinalam momentos históricos, pedem orações e sufrágios e servem de padrões paroquiais nos adros das igrejas e capelas.

Normalmente não têm grande valor histórico e artístico, contudo há alguns que são bons exemplares, bem desenhados e esculpidos. Há inscrições memorativas que distinguem muitos deles.

Constituem óptimos elementos para o estudo das crenças, dos costumes, qualidades e tendências artísticas do povo, nas várias épocas da sua história.

O Cruzeiro é uma forma de oração, um convite à reflexão, como um catecismo de pedra que nos introduz nos permanentes mistérios que movem filósofos, artistas e poetas: o enigma da origem da vida, a morte e o mundo.

Cada Cruzeiro tem uma história muito particular que, em muitos casos, deveria ser incluída nos conjuntos paroquiais, tão pouco estudados: igreja, adro, cemitério, ossário e casa paroquial.

“ O cruzeiro é inseparável da paróquia dos vivos e da paróquia dos mortos”.[10]

VIEIRA, Leonel - In Seminário: «Cruzeiros de Lousada», Universidade Portucalense, 2004

 

 



[1]  CHAVES, Luís – Cruzeiros de Portugal. Lisboa: Ed. Revista «Brotéria», Vol. XIV, 1932, p. 4. Sep.

[2]  Ver RUIZ, Luís Martin – Cruceiros na Província da Coruña.(s.l.):(s.e.), Vol. I, (s.d.), p. 17.

[3]  BELLINO, Albano – Archeologia Christã. Descripção Histórica de Todas as Egrejas, Capellas, Oratórios, Cruzeiros e outros Monumentos de Braga e Guimarães. Lisboa: Empresa da História de Portugal, 1900, p. 270.

[4]  RUIZ, Luís Martin - ob. cit, p. 17.

[5]  Ver RUIZ, Luís Martin - ob. cit, p. 18.

[6]  VITERBO, Fr. Joaquim de Santa Rosa de – Elucidário. (s.l): (s.e), Vol. II, 1993, p. 145.

[7] FEUILLET, Michel - Vocabulário do Cristianismo. (s.l.): Ed. Edições 70, 2002, p. 46.

[8] RUIZ, Luís Martin - ob. cit, p.22.

[9] Ver RUIZ, Luís Martin - ob. cit, p.22

[10] RUIZ, Luís Martin - ob. cit, p. 24.



publicado por José Carlos Silva às 19:12 | link do post | comentar

Sábado, 29 de Agosto de 2009

A freguesia de Santa Marinha de Lodares perfazia cento e dez fogos, 271 quando o padre Manuel Nunes da Rocha, cura encomendado, respondeu aos interrogatórios de 1758. No centro desta freguesia situava-se a igreja,272 que tinha quatro altares. No altar-mor estava o sacrário com o Santíssimo Sacramento e as imagens de Santa Marinha, S. Lázaro e S. Caetano; no altar de Nossa Senhora das Neves encontravam-se as imagens de Santa Ana e Santa Luísa; no altar do Menino Jesus podiam ver-se as imagens de Santo António e de S. Sebastião; no altar das Almas, com a sua irmandade, a imagem de Cristo Crucificado.273

A capela de Santa Isabel estava “asituada logo ao mesmo lugar de Lodares e pertence a mesma freguezia. A esta irmida acodem algumns clamores de preciçoez em o dia da mesma Santa e em dia de Santo Antonio.274

 

________________________________

 

269 - VIEIRA, Leonel - o. c. p., 53.

270 - I. A. N./ T. T. -  Dicionário Geográfico, 1758. vol. 11, fl. 2171.

271 - I. A. N. / T. T. - Dicionário Geográfico, 1758. vol. 20, fl. 1009.

Nos rios Sousa e Mesio encontravam-se açudes e levadas em vários locais; e no lugar de Sousa havia um pontão em pedra, assim como em Sequeiros, sobre o rio Mesio, um passadiço em pedra. E existiam dois moinhos, um em Sequeiros e outro no lugar de Sousa: “o muinho do Sacubo. O qual muinho fica na freguezia de Santa Marinha;” enquanto no lugar da Lama laborava um lagar de azeite, que funcionava com a ajuda da força animal.275

 

 

Quadro N.º 13 - Freguesia de Lodares: Património Edificado

 

População/Habitantes

 

Fogos

 

Igrejas// Residência

 

Capelas

 

Pontes

e

Pontões

 

Moinhos

 

Lagar de Azeite

397

110

Igreja de Santa Marinha de Lodares

Pública

 Um no lugar de Sousa. (Sobre o rio Sousa).

 Outro no lugar de Sequeiros (sobre o rio Mesio)

Um moinho, no lugar de Sousa.

E outro no lugar de Sequeiros

Um, no lugar da Lama

 Santa Isabel

 

________________________________

 

272 - No “ meyo da freguezia ainda que ceparada dos lugares em pouca distáncia.” I. A. N. / T. T. - Dicionário Geográfico, 1758. vol. 20, fl.1009.

273 - I. A. N. / T. T. -Dicionário Geográfico, 1758, vol. 20, fl.1009.

274 - I. A. N. / T. T. - Dicionário Geográfico, 1758, vol. 20, fl.1009.

275 - A. I. L. - Processo Sobre os Limites da Freguesia de Santa Marinha. [s/d], fl. 335. Cf. “ [No rio Sousa] no sítio desta freguezia tem hum passalisso de pedra no lugar que chamam Souza. E o rio Mezio em o lugar que chamam Siqueiros tem outro passalisso de pedra em modo de ponte. E no sobredito citio de Sousa tem o mesmo o rio Souza duas rodas de moinho e não tem pizoines nem noras, tem hum lagar de lzeite em hum sitio que chamam a lama que moy com gado. Este rio Souza pouco mais ou menos podera ter seis legoas do nacimento athe dezaguar no Douro e não me consta que passe por povoaçoes grandes só por campos, montes e aldeias parvuas.” I. A. N./ T. T. - Dicionário Geográfico, 1758, vol. 20, fl.1011.

 

 

SILVA, José Carlos - In «Tese de Mestrado Em História de Arte Em Portugal»



publicado por José Carlos Silva às 02:30 | link do post | comentar

“Aqui um solar seiscentista, prepialho à fiada em junta sêca, severo e modesto como eram os de então; além, construções apalaçadas em “baroque” de granito enfunado e grandioso, depois, casas boas de gente abastada, com alas de variadas épocas, ostentando a típica cozinha, tão regional, tão lousadense, toda em pedra, bem ameada com torre para defesa contra incêndios; mais adiante, o casarão vitoriano, rico em varandas ou janelas sob clássico frontão e ao lado a inseparável capela; (…) topam-se ainda muitos portões de brazão (…).”

 

Álvaro Pacheco de Carvalho1

“Oh! minha terra, velho Tarrão

 (…)

Ruas estreitas, casas velhinhas

E o pelourinho

Nichos com santos onde as andorinhas

Fazem o ninho!

Tu tens no timbre do nobre brazão

Da tua bandeira

Cachos doirados, espigas de pão

Da vinha e da eira

(…)

Rezas à sombra d’ogivas Romanas

Das tuas igrejas!

E nos dias de verão

Tu mostras, oh meu Tarrão

O colorido

Que ‘stá esculpido

No teu Brazão.”                                                                           António Castro Gorgel2

 

 

 SILVA, José Carlos Silva; In Tese de Mestrado - «História de Arte Em Portugal»  

________________________________

 

1 - PEREIRA, Camacho - In Prefácio. Lousada N.º 177- Indicações Gerais Sobre o Concelho. Cruz Quebrada: Edição ROTEP. 1954, p. 2.

2 - GORGEL, António Castro - Lousada Na Ribalta. Lousada: Tipografia “Heraldo”. 1948, p. 21-22.

 



publicado por José Carlos Silva às 02:18 | link do post | comentar

Quinta-feira, 27 de Agosto de 2009

As Capelas e o Património.

 

As capelas públicas de Lousada fazem parte integrante do Património concelhio, sendo na sua quase totalidade públicas: todo o património é do domínio “público”. E fazem parte da memória colectiva da comunidade em que estão inseridas. São memória, enquanto nós representamos a herança dessa memória legada pelos nossos antepassados.

Assim, as capelas representam a memória dos homens e o pulsar das comunidades, sendo também os sinais da sua identidade; são elas que representam algo de cada um; que os ajudam a centralizar os seus destinos; e que os levam a perspectivar e a acreditar no futuro; e é por isso que são património, são memória, que urge inventariar, sistematizar, potenciar, valorizar e divulgar.

As capelas, enquanto património não são tão monumentais quanto as igrejas paroquiais, os solares, as pontes românicas; mas representam um património que congrega à sua volta uma força poderosa, mística e de fé que leva os homens a fixá-las como o derradeiro refúgio.

São um tipo de património - de memória - que predomina em Lousada, que urge valorizar, dado pouco ou nada ter sido feito.

As capelas fazem, pois, parte da nossa memória colectiva, sendo património de qualidade. É, por isso, crucial que se mantenha a memória, a qualidade, para que estas - as capelas - continuem a ser testemunhos de hoje e de futuro. E por muito “pobre” que uma capela seja, ela representa o passado, e, por isso mesmo, deve continuar a sua função: perpetuação da memória.

Podemos afirmar que a manutenção da qualidade e da memória, do património - neste caso das capelas - pressupõe uma sensibilização e conhecimento das suas virtualidades, da sua importância e da sua diversidade arquitectónica e artística.

As capelas, enquanto património, representam não só um estilo arquitectónico, uma determinada época, mas acima de tudo o pulsar de uma comunidade, a alma de um povo. E tudo isto é representa as alvas ermidas do concelho de Lousada.

 

A Sacralização do Espaço. 

 

Quem percorrer, uma a uma, as freguesias do Concelho de Lousada e reparar no local onde primitivamente foram erigidas as suas capelas públicas, chega a uma só conclusão: num alto de um monte ou num local completamente despovoado, isolado.

Um local isolado, solitário, um alto do monte. Porquê ? Haverá uma explicação para tal facto ?

Obviamente.

           

Tal como no séc. XII - XIII, uma Igreja, era o garante da posse e ocupação legal - porque cristã - de uma terra e, para além disso, o penhor de segurança religioso e psíquico para os colonizadores do seu “termo”, também no séc. XVII - XVIII, a ermida e a capelas erigida num alto de um monte ou num local isolado da freguesia  revestia-se de protecção, de benção para o território que abrangia (montes, vales, colinas, morros, etc.) e paz espiritual já que “funcionava” como protectora e último reduto dos aflitos.

A capela sacralizava o tempo e o espaço que envolvia e quanto mais longe dos seus devotos, mais importância, fora e poder tinha. O mistério, a distância, o seu poder divino e estranho, dava à santa da sua invocação um ar de todo o poder.

Ainda tinha outra função: conferia prestígio a quem a mandava erigir e que por isso cuidava dela em todos os pormenores.

A capela - lá no alto - tornava-se imprescindível à comunidade, sendo um dos pólos sacralizadores, em conjunto com a igreja, de toda a freguesia.

O nome da invocação da capela, da sua “padroeira”, é um factor importante para a comunidade paroquial. A capela - a sua padroeira - não só vela e intercede pela alma daqueles que já morreram, como é certeza da garantia do amparo e da protecção de Deus para os bens da terra, dos seus frutos, e do exorcismo dos males. As capelas, os seus santos “expulsavam” - velam - para que os demónios não tenham a veleidade de estragar as suas produções agrícolas, que não haja incêndios para que os seus montes estejam intactos (a madeira é um bem essencial).

Das capelas saíam procissões até aos vales onde os devotos dos seus santos viviam e labutavam. E nos cruzamentos e entroncamentos eram construídos cruzeiros. A procissão passava por esses locais para deles afastar os males, os demónios, do mundo. Já que “... há um outro género carregado de aspectos mágicos e que constava essencialmente  em cristianizar e apotropaicizar por meio de cruzes, de capelas, e de outros sinais amuletiformes os lugares de onde viessem más influências e os autos que dominavam a povoação. Assim, mais que para cristianizar, ou até sacralizar, as cruzes e as capelas, destinavam-se a proteger e a exorcizar o território dos entes maléficos.”17

As capelas - tal como os cruzeiros, sinais amoléticos gravados em penedos (em redor da freguesia) - tinham um filho, primeiro: proteger e exorcizar a localidade de tudo quanto fosse mais em termos de demónios.

Por tal razão, as procissões percorriam todos esses pontos considerados como hipotéticos locais de entes demoníacos.

As capelas tinham pois uma função “sacralizadora e protectora”. Aliás, as capelas, cedo apareciam no cume do monte das povoações quando estas começavam a ser povoadas. E no cimo destes montes, tendo aos seus pés os campos, iam as procissões com as rezas, as ladainhas para assim exorcizar os males daqueles locais.

Ainda hoje é aos santos “padroeiros” destas capelas a quem se pede, se roga, se apela, pelos frutos da terra, pela chuva, pela protecção pelos animais daninhos, e insectos (gafanhotos).

Actualmente, nem tanto. Hoje murmura-se, pede-se, pela saúde do filho ou da neta, da sua felicidade, etc.

Praticamente todas as capelas resultam da devoção e promessas da Época Moderna (e Contemporânea). Na Época Contemporânea foram reconstruídas pelos “brasileiros” que dessa forma adquiriram prestígio e nome.

Mas, em Lousada, vamos encontrar várias capelas em locais planos, baixos (S. Gonçalo - Macieira, N. Sr.ª da Conceição, N. Sr.ª das Necessidades - Lodares, N. Sr.ª da Misericórdia, St.º Ovídio, etc.).

Ora, estas e outras capelas, ou foram construídas em locais isolados, solitários, da freguesia, ou pertenceram a casas particulares, tornando-se mais tarde (em 1910, com a Implantação da República) capelas públicas ou foram doadas por particulares à Igreja (N. Sr.ª das Necessidades, St.ª Ovídio).

A maioria das capelas construídas em altos de montes, estão actualmente rodeadas pelos seus tementes devotos. São os casos da capela do Sr. dos Aflitos, do Loreto, S. Gonçalo (Lustosa), Sr.ª Aparecida, etc.

Uma das poucas que resiste a essa onda modernista é a capela de Sant’ Ana.

Mas a verdade é que ainda hoje - aquando das romarias - se fazem as procissões em determinado percurso e dão a volta de regresso num cruzeiro, rodeando-o.

E nas procissões não vão “espingardeiros”, nem foices e gadanhas para assim “o barulho, os morteiros e os tiros, e até o transporte de foices e gadanhas, eram essenciais para a sua eficiência - procuravam afugentar e assustar todos os males nocivos à freguesia, os das sementeiras e o da saúde,”[1]8 mas os “anjinhos” levam toda a sorte de instrumentos, de forma simbólica, e vão vestidos de santos, há andores com santos, foguetes, o santíssimo, banda de música, tamborileiros, G.N.R. a pé e a cavalo, etc.

Há, portanto, tudo - na actualidade - como havia nos séculos anteriores. E a intenção “deve” ser a mesma: exorcizar e apotropaicizar os entes maléficos”. Até a cal branca apotropaica. Temos que entender que as terras, território onde o homem viveu, e vive, é uma “dádiva “ de Deus e dos “seus santos” e por isso há que ser também generoso, reconhecido. Para “eles” se erguem capelas, onde se guardam imagens e relíquias. E aonde se levam dádivas no cumprimento de promessas, de “votos” alcançados.

No espaço sacralizado que se procura aumentar tem que, principalmente, vencer as forças do mal e demoníacas. Por tal razão se vislumbra tanta capela e tanto santo, no alto de tanto monte. Deles tinha de surgir a abundância e a fertilidade.

O bem-estar exigia a retribuição.

Daí as capelas e os santos no alto de tantos montes, que só um misto de sagrado, de protecção e segurança as faz persistir. Manto protector das aflições terrenas, e regaço dos aflitos.

In Seminário «Capelas Públicas de Lousada» 1997

 



17 Almeida, C. A. Ferreira; Território Paroquial No Entre - Douro - E - Minho. Sua Sacralização, Nova Renascença, Vol. I, Porto 1981, p. 206-211.

[1]8 Eliade, Mircea;O Sagrado e o Profano, Lisboa, s/d, p. 21.



publicado por José Carlos Silva às 23:58 | link do post | comentar

Terça-feira, 25 de Agosto de 2009

 

Praia de reis, rainhas, princesas e nobres. O rei D. Afonso IV concedeu-lhe foral a 17 de Maio de 1369.



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Quarta-feira, 19 de Agosto de 2009

José Carlos Silva*

Preliminares

Em 1909 era Procurador Régio, em Lousada, o Dr. Alberto Thomaz David. Este vai contestar uma deliberação - de 8 de Julho de 1893 - da Câmara de Lousada, então presidida pelo ilustre Dr. Camilo Alves Teixeira, que determinava: “pôr á disposição do poder judicial dois quartos no rez-do-chão do edificio do tribunal impondo porém a condição de que os presos que se aproveitassem de tal regalia contribuíssem com a quantia de 200 reis para o cofre do município.” – (Ver Jornal de Lousada, 2 de Janeiro de 1910, n.º 126, p. 2). É bom recordar que os calabouços de Lousada se situavam nos fundos da Câmara, e a ter fé nos relatos da época não era local muito aconselhável.

O Procurador Régio vai contestar, precisamente, esta disposição camarária, a de 1893. Rebenta de imediato a bernarda. Instala-se a polémica. O caso torna-se público e termina na barra do tribunal.

José Teixeira da Mota, à época, Administrador Interino do concelho, demite-se na sequência de toda esta celeuma, mas continua a travar renhida e salutar luta, nas páginas do “Jornal de Louzada”, em prol da verdade – como era seu timbre.

O Jornal de Louzada vai ser, pois, o local privilegiado para se colocarem razões e argumentos de diversa ordem - ora com a razão, ora com o coração -, a roçar o picaresco ou mesmo indo de encontro à subjectividade jocosa de uns versos dos Reis Magos. Estes últimos, os versos dos Reis Magos, ao que parece, são a causa e o motivo para a ida a tribunal do “Jornal de Louzada” e do seu conceituado e ilustre director: José Teixeira da Mota.

Toda a polémica é encerrada em duas históricas audiências: um e dois de Janeiro de 1910.

O Julgamento

No dia 1 de Janeiro de 1910 a Vila de Lousada parou para assistir ao julgamento do “Jornal de Louzada”. Coube ao seu director honrar o seu bom nome. Apareceu ao tribunal de Lousada ladeado por um leque de insignes figuras desta terra que o defenderam com amizade, brio e galhardia: José Freire da Silva Neto (Presidente da Câmara); Dr. Joaquim Moura (Vice – Presidente), Jaime Correia (Vereador); Alberto Quintela); Major Manuel Camelo; Dr. Manuel Elisário; Padre José da Cunha Gonçalves (primeira testemunha de defesa); Dr. Joaquim Hermano (segunda testemunha) e tenente – coronel Feijó (Terceira testemunha de defesa). Foi seu advogado de defesa, o distinto jurista: Dr. Camilo Alves Teixeira.

Cada uma das partes litigantes esgrimiu os seus argumentos, mas a balança da justiça cedo deu sinais de pender a favor do “Jornal de Louzada” e de José Teixeira da Mota.

A leitura da sentença ficou adiada para o dia 2 de Janeiro, dado que o Juiz, Dr. Antero Moreira, tinha sido acometido de uma súbita e repentina indisposição e tinha-lhe sido de todo impossível estar presente no dia da pretérita audiência.

Com o título: “O nosso julgamento” descreve, minuciosamente, o “Jornal de Louzada” de 2 de Janeiro de 1910, N.º 126, segunda página, as peripécias de todo o julgamento, da leitura da sentença e do triunfo portentoso de José Teixeira da Mota.

Não vamos fazer a descrição minuciosa do julgamento. Vamos, pois, sem delongas, à parte que mais nos interessa e que é assaz curiosa.

Pombas, Flores e Cumprimentos Para Um Triunfador

No dia 2 de Janeiro de 1910 a Vila de Lousada estava expectante! Dez horas: momento marcado para dar por finda tamanha celeuma, que só terminará ao meio-dia.

Conta o “Jornal de Louzada” que “Precisamente às 10 horas do dia 2 entrava para o gabinete o meretissimo juiz, o tribunal collectivo a lavrar o accordão que foi lido ao meio dia, julgando improcedente e não provada a acusação, e, portanto, absolvendo-nos. N’esta ocasião recebeu o nosso director, cumprimentos, de grande numero de amigos seus, felicitando-o calorosa e enthusiasticamente pela sentença que a seu favor acabava de ser proferida.

Á porta do tribunal era, o mesmo nosso director, esperado por um grupo de camponezas que o cobriram de flores e acompanharam até á casa da sua residencia onde continuou a receber cumprimentos dos amigos que assim, aproveitaram a ocasião para lhe manifestar quanto o estimam.

Ao findar a leitura do acórdão foram lançadas ao ar, dentro do tribunal algumas pombas com laços de seda ao pescoço onde se lia: Viva o «Jornal de Louzada»; Vivam os colaboradores do «Jornal de Louzada», etc, etc. Alguns desses laços foram mais tarde entregues na redacção d’este Jornal.”

* Mestre em História de Arte em Portugal

 

 



publicado por José Carlos Silva às 22:08 | link do post | comentar

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